terça-feira, 24 de março de 2009

Gran Torino


Clint Eastwood conquistou-me com "Million Dollar Baby" e "Mystic River". Quando vi o "Changeling", já não duvidava que o filme seria óptimo e, com as mesmas expectativas elevadas, assisti a Gran Torino a apreciar, a cada momento, a complexidade da personagem principal, Walt Kowalski, patente nos seus ideais conservadores. Clint Eastwood é conhecido por compôr personagens "anti-heróicas", no entanto, a sua preocupação e as suas convicções fazem dele um herói ou, pelo menos, um homem muito mais nobre do que os que o rodeiam no filme, e agora sim, falo estritamente de "Gran Torino". Walt Kowalski é um homem difícil: participou na guerra da Coreia, sabe o significado da vida e da morte e tem as mãos manchadas de sangue. A partir daqui, é compreensível que as vivências dos seus filhos e netos lhe pareçam medíocres e isentas de significado, convicção, ideais. O filho consideram-no um rezingão e a nora não espera mais do que a sua morte, para poder reconher a sua herança. Tratam-no como um incapaz. Entretanto, os vizinhos do lado exaltam a sua cultura oriental com princípios de retribuição, partilha, agradecimento, de tal forma que às tantas o próprio Walt (ele mesmo polaco e que começou por desaprovar a evolução que o seu bairro estava a tomar com a vinda doss hmong) diz algo como "Tenho muito mais em comum com esta gente do que com o meu próprio sangue", o que explica que ele não era impossível de agradar: ele simplesmente valorizava pessoas de princípios e raízes tradicionais, que não se percam na vulgaridade do actual e que demonstrem interesse genuínio uns nos outros. Aborda, tal como "Million Dollar Baby", a questão da crença religiosa através de um homem que despreza a igreja como instituição intermediária entre o Homem e Deus.

O final do filme granjeia-lhe um lugar de destaque no mundo do espectador cinematográfico: como poderiamos esquecê-lo? Esperemos apenas que Eastwood ainda fique muitos anos por cá, para criar mais obras-primas como as que nos presenteou até aqui.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Atonement


"Expiação" é um dos filmes impossíveis de esquecer, na minha opinião. De Joe Wright, que esteve também à frente de "Orgulho e Preconceito", o filme prima por um ambiente de calma, de natureza, de verão em que há a eminência constante de uma catástrofe prestes a acontecer. A banda sonora de Dario Marianelli deve ser referida como um dos pormenores que conferem a perfeição do filme e a sua essência cinzenta. Sim, quando penso neste filme, penso em "Cinzento", em praias nubladas de areia fria de madrugada, em pessoas sozinhas a caminhar e a recordar à beira mar. O livro de Ian McEwan, que também faz parte da minha prateleira, está adaptado na perfeição. As personagens têm alma - enganam-se, especulam, cometem erros em nome dos seus desejos incontroláveis, das suas dúvidas e impressões, muitas vezes erradas. Robbie (James McAvoy) não é um herói, nesta história. Longe disso, é um homem complexo que provavelmente lida mal com o amor que sente pela filha do patrão que o tem ajudado financeiramente a concluir o curso. É inteligente, perspicaz, e provavelmente nunca daria um passo em frente, não fosse Cecilia (Keira Knightley) assumir finalmente o que sente - primeiro para si, depois para ele. A acção principal do filme passa-se numa tarde quente na década de 30, na qual um acontecimento mal interpretado pela irmã mais nova de Cee condena Robbie e rouba a ambos a vida que, sem as divagações de Briony, partilhariam.

Ao estilo dos filmes actuais, em que no final fica ao espectador a frustração e a impotência das personagens perante os acontecimentos, assim como a ideia implícita de que o destino, através de pequenos desvios da rota, tem o poder de dar outros fins, muitas vezes os menos desejados, à vida de cada um.

A este, eu atribuiria cinco estrelas.

Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulin


"O Fabuloso Destino de Amélie Poulin" é mais do que um filme: é um hino aos sentidos e à nossa condição de humanos e individualistas. A Amélie tem alma de criança, talvez por não ter tido grande infância. À vista dela, é tudo tão simples que, por antecipar a comoção de um homem ao reencontrar a sua infância numa caixa, decide interferir na vida dos outros com acções subtis. Entretanto, a sua vida precisa de ganhar, igualmente, um rumo. Apaixona-se e, como todos os apaixonados, entra num jogo em que se receia e se espera que o outro seja o primeiro a ceder e a procurar-nos: ela recusa-se a permitir-lhe chegar até si, preferindo brincar às escondidas. Curiosamente, desta forma consegue despertá-lo para o quão diferente e espirituosa é.

Este filme é quase um retrato das pequenas especificidades da vida, de pessoas especiais que não vemos e de outras que, ao ver, ignoramos. A Amélie é corajosa por mexer com a vida dos outros, de uma coragem a que todos renunciamos, de modo a nos mantermos fora de preocupações. A acrescentar a isto, há também a certeza de que a maioria das pessoas não se preocupa realmente com o que se passa ao seu redor, prefere pensar que está fora do seu alcance ajudar, e fora da sua competência interferir. Daí que a Amélia seja tão especial.

A cada vez que vejo o filme, confirmo que a banda sonora de Yann Tiersen fica perfeita nas notas melancólicas do filme, assim como a realização de Jean-Pierre Jeunot prima sempre pela irreverência e originalidade, como em "Um Longo Domingo de Noivado", adaptado do romance de Sebástian Japrisot - uma história complexa transmitida na perfeição para a tela, e sei-o porque o livro tem o seu lugar na minha prateleira.

The Reader


O filme "The Reader", de realização a cargo de Stephen Daldry, é uma surpresa pela positiva. O trailer transmite a ideia de um romance acabado que eventualmente trará culpas a ambos os protagonistas, Kate Winslet (Hanna Smichz) e Ralph Fiennes (Michael Berg). O filme surpreende na medida em que este amor prevalece vivo e é muito mais aprofundado na tela do que o espectador poderia esperar. A aproximação sexual de um rapaz de 15 anos a uma mulher de quase o dobro da sua idade, e a forma como isto modifica a mente do rapaz, tornando-o quase adulto precocemente. A relação dos dois transcede a imoralidade que começa por sugerir, uma vez que evolui para longas tardes de leitura do jovem à ex-guarda nazi. Também é verdade que Michael só conhece o passado dela anos depois, enquanto estudante de Direito.

A personagem de Ralph Fiennes é profundamente marcada e explicada por essa vivência prematura com uma mulher madura, pelo carinho e complexidades do que partilharam. Quanto a Kate Winslet, consegue dismistificar a ideia de dureza e insensibilidade dos apoiantes do nazismo através da inocência que transmite, da ideia de incapacidade de tomar decisões grandes por si, que evidencia que foi persuadida, assim como as suas colegas de profissão, a cometer todas as atrocidades que cometeram em nome de um regime doentio.

Na minha opinião, a beleza do filme reside no facto de, apesar do seu passado negro, ser a questão do analfabetismo que preocupara realmente Hanna Schmiz, ao ponto de se permitir ser condenada se isso implica revelar esta realidade. Michael Berg fica dividido entre a verdade sobre o passado de Hanna Schmiz e o seu lado dócil e ingénuo, que conheceu enquanto lhe lia, de tal forma que lhe envia cassetes gravadas com a sua narração de todos os livros que possui. Através destas gravações, o filme conhece, para mim, o seu auge, quando Hanna, através da contagem das palavras que houve, começa a aprender a ler circundando a lápis as palavras impressas no livro.

Um filme que não poderia ter sido feito noutra época que não o séc. XXI, quando o cinema já não cria personagens "boas" e "más", mas tão deliciosamente complexas que o próprio espectador tem dificuldades em posicionar-se e formar uma opinião, ora condenando-a, ora identificando-se com ela, ora absolvendo-a das suas culpas.

Kate Winslet mereceu o Óscar de Melhor Actriz, pois a essência perturbadora do filme reside olhar enigmático - ora confuso, ora alegre, ora indignado - de Hanna Smichz.