segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Breakfast at Tiffany's

O clássico "Boneca de Luxo" - Breakfast at Tiffany's, com Audrey Hepburn no principal papel, como a invulgar Holly, e George Peppard como um escritor falhado.

Holly é uma rapariga singular, que vive sozinha com um gato sem nome que clama "não lhe pertencer, nem ela a ele, nem um ao outro". Torna-se boa amiga do vizinho de cima, um escritor sem sucesso que recebe dinheiro para satisfazer as frustrações de uma mulher casada. Esta relação será a mais genuína que Holly mantém, visto que tem ligações peculiares - além do gato, tem diversos amigos, mas todos parecem ter um carácter temporário, já que mais tarde ou mais cedo parece que todos lhe falham.

Holly casara-se aos 14 anos com um homem muito mais velho que acabará por encontrá-la na cidade e mal a reconhece com a sua nova postura requintada. O seu grande amor é o irmão, Fred, que presta serviço militar na tropa.

Apesar de não ter qualquer expectativa quando comecei a ver o filme, creio que a profundidade dos personagens principais, assim como a qualidade dos diálogos e as cenas finais, desde que Holly é libertada da prisão, são os pontos fortes do filme. Quanto aos pontos fracos, saliento a comédia básica, mal explorada, baseada em ruídos animais (assim como os seus "voos" que violam a física dos comuns), o vizinho irritante que repete a mesma fala em todo o filme, toda a cena do ataque de Holly quando recebe um telegrama sobre o irmão, traduzindo mais histeria que dor. O filme só recupera a qualidade numa cena de notável beleza estética em que o seu suposto "noivo" abre a porta do quarto e um fio de luz ilumina o seu interior, com a protagonista deitada sobre a cama desfeita num vestido digno de conto de fadas e com as penas das almofadas que rasgou a flutuarem ao seu redor e Hepburn completamente imóvel.

Um clássico que acaba por nos abstrair da realidade actual e, só por isso, é digno de atenção.

sábado, 10 de outubro de 2009

Goodbye, Lenin!


Julguei que o filme em questão fosse sobre o exercício do poder por Lenine. Ao invés, descobri que um dos meus compositores favoritos dá melodia ao filme, Yann Tiersen, e pela música descobri a essência emocional do filme. Vi-o e fiquei positivamente surpreendida. A actriz principal, Katrin Sass, é de uma beleza e fragilidade tocantes, o que seria essencial para que a personagem despertasse no espectador o mesmo que o filho sente. Nesta história invulgar e original, Alexander Kerner (Daniel Brühl), faz os possíveis para que a mãe, pró-comunista na RDA em 1989, não descubra, ao acordar de dois anos de coma, que o regime comunista caiu na Alemanha Oriental e que o capitalismo ocidental invadiu cada recanto. A mãe (Katrin Sass) pode sofrer outro ataque cardíaco caso se emocione, e é por isso que o filho obriga todos ao seu redor a viver como se estivessem ainda sob influência comunista.

É estonteante a cena em que a mãe sai de casa pelo seu pé, sozinha, descobre os novos gostos estéticos dos alemães, o espaço exterior mudado com cartazes de empresas americanas em todo o lado, e numa cena de beleza ímpar, a estátua de Lenin transportada por um helicópetero sobre uma avenida estende-lhe a mão, ante a sua expressão estupefacta.

Vale a pena ver.





Watching Lara - Yann Tiersen

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Once



"Once" começou com a maravilhosa canção "Falling Slowly' que me foi enviada por um amigo. Pela beleza da mesma, fui obrigada a concluir que o filme teria de ser, por excelência, igualmente grandioso. Dediquei-lhe tempo e, apesar de algumas características invulgares, acabei por me apaixonar.


Não esperem que "Once" seja um daqueles filmes previsíveis, com grandes caíres de queixo, lágrimas, revelações, frases-tipo ou coisas do género. "Once" tem a beleza das coisas simples. Tem a óptima escolha de duas personagens centrais perfeitamente realistas - Glen Hansard e Markéta Irglová - ele com a sua melancolia natural que lhe sugere um passado completo, ela com a mesma característica e, ainda, uma boa dose de optimismo, de simplicidade e de realismo. A própria filmagem do filme apela a uma espécie de "câmara indiscreta" que capta algo perfeitamente realizável. Como musical, o fundamento das letras das músicas e a sua beleza conquistam qualquer um que aprecie este género de música acompanhada à viola e ao piano e por duas vozes que combinam na perfeição.


Não esperem igualmente que seja um filme grandioso ou que, depois de o verem, vão mudar o "nickname" do vosso msn para uma das frases que lá ouviram. Eu, que o adorei, não descortinei nenhuma. "Once" irá resumir-se ao significado de cada tema musical.

sábado, 9 de maio de 2009

Le Scaphandre et le Papillon


A seu devido tempo (2007), ouviu-se falar de "O Escafandro e a Borboleta". Entretanto, o cinema foi lançando outras novidades sobre as quais me debrucei. Nem era, sequer, grande apreciadora do cinema francês - do qual, curiosamente, gosto cada vez mais. Hoje, num assomo de ter outras experiências cinematográficas que não as proporcionadas pelo meu habitual romance, decidi vê-lo.

Pelo mesmo realizador de "Antes do Amanhecer", Julian Schnabel, com Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner.

O filme choca, é como se nos enclausurasse dentro de nós próprios desde a primeira cena, com Jean-Dominique a contactar com o mundo através de um olho apenas, com o outro danificado e o corpo aprisionado dentro de si próprio. Faz-nos valorizar os nossos movimentos, agonizar com a sua clausura. Entretanto, não é exactamente um filme derrotista. Desenvolvendo um código para lhe permitir falar, uma enfermeira ajuda-o a comunicar com o exterior através de debitações do alfabeto acompanhadas de piscadelas de olho dele. Desta forma, ele propõe-se escrever um livro. Aos poucos, vai narrando a sua experiência e recordando a sua vida, tão egoísta e fútil, por vezes, quanto a da maioria de nós, com pequenos momentos de carinho ou atenciosidade para com os outros. É evidente a sua vontade de regressar atrás ou recuperar os movimentos para rectificar tudo, para ser melhor, para aproveitar a vida de outra forma. Deixara a sua mulher por uma amante que não arranja coragem para o ir ver e sente-se humilhado pelo fosso de incapacidade que o separa agora dos filhos.

Comovente, apela à reflexão, à valorização da vida, das apetências mais básicas em si, à realização dos nossos sonhos e também a colocarmos o egoísmo de lado e sermos mais para os outros, de modo que nos recordem. De modo que, se nos forem um dia visitar ao hospital por, aos 42 anos, termos sofrido um AVC, não nos encham o peito de culpa e gratidão pelas faltas que cometemos para com os mesmos.

Aconselho a todos os que sintam que precisam de uma pequena orientação na vida - vê-la pelos olhos de quem a tem na corda bamba é a forma ideal de valorizá-la.

terça-feira, 14 de abril de 2009

The Jane Austen Book Club


Não me acontece todos os dias, nem me acontecia há muito tempo, chorar de facto ao ver um filme. No entanto, enquanto via este filme, identificava-me com cada uma das personagens, compreendia-as, apaixonei-me por elas, pelas suas vidas e pelos seus impasses.

Em redor de seis das obras de Jane Austen, encontram-se seis pessoas - cinco mulheres e um homem encantador, Grigg - dispostos a ocuparem-se cada um de uma obra em especial, lendo-as todas e discutindo-as em conjunto.

Temos uma de meia idade que foi casada seis vezes e ainda assim, tem fé suficiente no casamento para admitir que gostaria de se casar uma sétima.
Temos outra que, no secundário, abdicou do namorado em prol de uma amiga e que viveu sempre sozinha, com os seus cães, e que nunca se apaixonou.
Temos outra que, professora de Francês sem nunca ter ido a França, apercebe-se que existem fossos intransponíveis entre si e o seu marido e apaixona-se por um aluno.
E outra que, com uma filha maior de idade, recebe a inesperada confissão do marido sobre o facto de ter uma amante e de pretender deixá-la, e divorciam-se.

E temos Grigg Harris, que amante da ficção científica, aceita ler as obras de Jane Austen com relativa boa disposição para estar perto de Jocelyn, a mulher que nunca se apaixonou e que o quer encomendar à amiga recém-divorciada. É nestes dois principais que reside, na minha opinião, a génese da história. Nos esforços que faz para dar um passo na direcção dos gostos de Jocelyn enquanto ela continua a apregoar não ser capaz de ler os seus livros de ficção científica, incapaz de compreender que ele se apaixonou por ela e que ela própria se está a apaixonar por ele.

E temos a professora de Francês, de lágrimas nos olhos, a estender o "Persuasão" ao marido a pedir-lhe que lho leia por favor, ao que ele responde que ela anda a tentar torná-lo numa pessoa que ele não é. Ela explica-lhe que o romance é sobre duas pessoas que tentam persuadir-se de que ainda é possível funcionarem juntas, pelo que ele aceita que ela lhe leia a primeira página e, numa cena comovente que me pôs de lenço na mão e pingo no nariz (sem falar dos dos olhos), ela adormece no seu peito e ele continua a leitura, ávida, da belíssima história de Jane Austen.

Também porque trata lugares-comuns da minha vida, pormenores que mexem com a singularidade da minha própria história, cheguei a uma conclusão: Não se deve esperar das pessoas mais do que elas podem dar. E, depois deste filme, reformulei-a: se tens fé na pessoa e a achas capaz, grandiosa, espera tudo o que possas dela, e talvez assim aconteça.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Cinema Paraíso


Há qualquer coisa no cinema italiano e, gostaria de dizer, em Giuseppe Tornatore. Contudo, só assisti a esta obra do realizador: foi o suficiente. A banda sonora é de Ennio Morricone, igualmente inesquecível.

A nossa queridíssima professora de História levou-o para a aula, num desses dias distantes de há dois, três anos, e pô-lo a rodar. Alguém fica indiferente a este filme? As reacções foram-se sucedendo: rimos, sentimos o coração apertado, exultámos pelo sucesso do Salvatore, lamentámos a sua vida vazia, debruçámo-nos sobre a sua história de amor, e, sou obrigada a exclamar, como é belo este filme!

No pós-guerra, Salvatore é a criança adorável da capa do filme cujo pai faleceu na Rússia, em combate. A sua aldeola está marcada por gritos políticos contra e a favor fascistas e comunistas, cada um com a sua ferida de guerra. O Salvatore tem uma paixão: o cinema, e é por isso que segue Alfredo para todo o lado, um humilde velhote que põe os filmes a passar no Cinema Paradiso da cidade - a única alegria dos aldeões, que os une a todos em gargalhadas. Alfredo segue as ordens do padre e corta as cenas "menos próprias" dos filmes, conforme mandam os costumes da época.

Após um romance frustrado, Salvatore segue para a cidade onde, décadas depois, é um aclamado cinematógrafo. Esta cena que vos mostro é a cena final pois depois de muito lutar pelas cenas cortadas dos filmes, Alfredo promete que lhas guarda e, após a sua morte, passa-lhas por fim. A este daria ***** estrelas, não fosse o meu filme preferido de todos os tempos.

Slumdog Millionaire


Gostaria de começar por perguntar porque é que, para português, a tradução ficou "Quem quer ser bilionário?" - se o próprio e famosíssimo programa era "Quem quer ser milionário?"

O filme ganhou diversas categorias nos Óscares e nos Globos de Ouro, parece-me que muitos ficaram decepcionados com o filme e, outros encantados. Decepcionados porque um filme tão aclamado, tão promissor, pode não ter respondido a todas as expectativas. Também porque ganhou todos aqueles prémios - Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Banda Sonora... - e havia quem tivesse outros filmes por seus favoritos. Eu pertenço à categoria dos que ficaram encantados. Ouvi falar pouco do filme, antes, algo como "Um filme indiano que vai concorrer aos Óscares". Peguei nele, vi-o depois de assistir ao trailer que transmite muito bem as emoções e o próprio percurso temporal do filme, e deixei-me maravilhar pelos cenários, as personagens, as maldades, a beleza daquelas crianças, aquilo que, tantas vezes, se confunde com espontaneidade.

A história é quase um conto de fadas, apenas não adequado a crianças menores de, vá, doze anos. Crianças são aprisionadas para irem pedir dinheiro nas ruas e enriquecerem outrem, este outrem é suficientemente ambicioso e monstruoso para magoar estas crianças, para as tornar dignas de pena e, portanto, mais rentáveis. Latika e Jamal conhecem-se desde pequenos, desde que as suas famílias são massacradas e passam a partilhar o mesmo destino. Também aqui, se sucedem cenas magníficas da pureza infantil num processo de conhecimento mútuo - há até a chuva, sempre poética.

Reencontram-se algumas vezes, sempre em situações difíceis, tornadas pior pelas mãos do irmão de Jamal. É então que, o simples rapaz que distribui chá num call center decide participar no Quem Quer Ser Milionário? para poder recuperar a mulher da sua vida. A cada pergunta que lhe fazem, surge o seu passado a mostrar-lhe a resposta. Surge a descrença do apresentador e a aclamação do público - porque advogados, médicos, académicos - todos falharam, nenhum chegou ao topo.

D: É o destino.

terça-feira, 24 de março de 2009

Gran Torino


Clint Eastwood conquistou-me com "Million Dollar Baby" e "Mystic River". Quando vi o "Changeling", já não duvidava que o filme seria óptimo e, com as mesmas expectativas elevadas, assisti a Gran Torino a apreciar, a cada momento, a complexidade da personagem principal, Walt Kowalski, patente nos seus ideais conservadores. Clint Eastwood é conhecido por compôr personagens "anti-heróicas", no entanto, a sua preocupação e as suas convicções fazem dele um herói ou, pelo menos, um homem muito mais nobre do que os que o rodeiam no filme, e agora sim, falo estritamente de "Gran Torino". Walt Kowalski é um homem difícil: participou na guerra da Coreia, sabe o significado da vida e da morte e tem as mãos manchadas de sangue. A partir daqui, é compreensível que as vivências dos seus filhos e netos lhe pareçam medíocres e isentas de significado, convicção, ideais. O filho consideram-no um rezingão e a nora não espera mais do que a sua morte, para poder reconher a sua herança. Tratam-no como um incapaz. Entretanto, os vizinhos do lado exaltam a sua cultura oriental com princípios de retribuição, partilha, agradecimento, de tal forma que às tantas o próprio Walt (ele mesmo polaco e que começou por desaprovar a evolução que o seu bairro estava a tomar com a vinda doss hmong) diz algo como "Tenho muito mais em comum com esta gente do que com o meu próprio sangue", o que explica que ele não era impossível de agradar: ele simplesmente valorizava pessoas de princípios e raízes tradicionais, que não se percam na vulgaridade do actual e que demonstrem interesse genuínio uns nos outros. Aborda, tal como "Million Dollar Baby", a questão da crença religiosa através de um homem que despreza a igreja como instituição intermediária entre o Homem e Deus.

O final do filme granjeia-lhe um lugar de destaque no mundo do espectador cinematográfico: como poderiamos esquecê-lo? Esperemos apenas que Eastwood ainda fique muitos anos por cá, para criar mais obras-primas como as que nos presenteou até aqui.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Atonement


"Expiação" é um dos filmes impossíveis de esquecer, na minha opinião. De Joe Wright, que esteve também à frente de "Orgulho e Preconceito", o filme prima por um ambiente de calma, de natureza, de verão em que há a eminência constante de uma catástrofe prestes a acontecer. A banda sonora de Dario Marianelli deve ser referida como um dos pormenores que conferem a perfeição do filme e a sua essência cinzenta. Sim, quando penso neste filme, penso em "Cinzento", em praias nubladas de areia fria de madrugada, em pessoas sozinhas a caminhar e a recordar à beira mar. O livro de Ian McEwan, que também faz parte da minha prateleira, está adaptado na perfeição. As personagens têm alma - enganam-se, especulam, cometem erros em nome dos seus desejos incontroláveis, das suas dúvidas e impressões, muitas vezes erradas. Robbie (James McAvoy) não é um herói, nesta história. Longe disso, é um homem complexo que provavelmente lida mal com o amor que sente pela filha do patrão que o tem ajudado financeiramente a concluir o curso. É inteligente, perspicaz, e provavelmente nunca daria um passo em frente, não fosse Cecilia (Keira Knightley) assumir finalmente o que sente - primeiro para si, depois para ele. A acção principal do filme passa-se numa tarde quente na década de 30, na qual um acontecimento mal interpretado pela irmã mais nova de Cee condena Robbie e rouba a ambos a vida que, sem as divagações de Briony, partilhariam.

Ao estilo dos filmes actuais, em que no final fica ao espectador a frustração e a impotência das personagens perante os acontecimentos, assim como a ideia implícita de que o destino, através de pequenos desvios da rota, tem o poder de dar outros fins, muitas vezes os menos desejados, à vida de cada um.

A este, eu atribuiria cinco estrelas.

Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulin


"O Fabuloso Destino de Amélie Poulin" é mais do que um filme: é um hino aos sentidos e à nossa condição de humanos e individualistas. A Amélie tem alma de criança, talvez por não ter tido grande infância. À vista dela, é tudo tão simples que, por antecipar a comoção de um homem ao reencontrar a sua infância numa caixa, decide interferir na vida dos outros com acções subtis. Entretanto, a sua vida precisa de ganhar, igualmente, um rumo. Apaixona-se e, como todos os apaixonados, entra num jogo em que se receia e se espera que o outro seja o primeiro a ceder e a procurar-nos: ela recusa-se a permitir-lhe chegar até si, preferindo brincar às escondidas. Curiosamente, desta forma consegue despertá-lo para o quão diferente e espirituosa é.

Este filme é quase um retrato das pequenas especificidades da vida, de pessoas especiais que não vemos e de outras que, ao ver, ignoramos. A Amélie é corajosa por mexer com a vida dos outros, de uma coragem a que todos renunciamos, de modo a nos mantermos fora de preocupações. A acrescentar a isto, há também a certeza de que a maioria das pessoas não se preocupa realmente com o que se passa ao seu redor, prefere pensar que está fora do seu alcance ajudar, e fora da sua competência interferir. Daí que a Amélia seja tão especial.

A cada vez que vejo o filme, confirmo que a banda sonora de Yann Tiersen fica perfeita nas notas melancólicas do filme, assim como a realização de Jean-Pierre Jeunot prima sempre pela irreverência e originalidade, como em "Um Longo Domingo de Noivado", adaptado do romance de Sebástian Japrisot - uma história complexa transmitida na perfeição para a tela, e sei-o porque o livro tem o seu lugar na minha prateleira.

The Reader


O filme "The Reader", de realização a cargo de Stephen Daldry, é uma surpresa pela positiva. O trailer transmite a ideia de um romance acabado que eventualmente trará culpas a ambos os protagonistas, Kate Winslet (Hanna Smichz) e Ralph Fiennes (Michael Berg). O filme surpreende na medida em que este amor prevalece vivo e é muito mais aprofundado na tela do que o espectador poderia esperar. A aproximação sexual de um rapaz de 15 anos a uma mulher de quase o dobro da sua idade, e a forma como isto modifica a mente do rapaz, tornando-o quase adulto precocemente. A relação dos dois transcede a imoralidade que começa por sugerir, uma vez que evolui para longas tardes de leitura do jovem à ex-guarda nazi. Também é verdade que Michael só conhece o passado dela anos depois, enquanto estudante de Direito.

A personagem de Ralph Fiennes é profundamente marcada e explicada por essa vivência prematura com uma mulher madura, pelo carinho e complexidades do que partilharam. Quanto a Kate Winslet, consegue dismistificar a ideia de dureza e insensibilidade dos apoiantes do nazismo através da inocência que transmite, da ideia de incapacidade de tomar decisões grandes por si, que evidencia que foi persuadida, assim como as suas colegas de profissão, a cometer todas as atrocidades que cometeram em nome de um regime doentio.

Na minha opinião, a beleza do filme reside no facto de, apesar do seu passado negro, ser a questão do analfabetismo que preocupara realmente Hanna Schmiz, ao ponto de se permitir ser condenada se isso implica revelar esta realidade. Michael Berg fica dividido entre a verdade sobre o passado de Hanna Schmiz e o seu lado dócil e ingénuo, que conheceu enquanto lhe lia, de tal forma que lhe envia cassetes gravadas com a sua narração de todos os livros que possui. Através destas gravações, o filme conhece, para mim, o seu auge, quando Hanna, através da contagem das palavras que houve, começa a aprender a ler circundando a lápis as palavras impressas no livro.

Um filme que não poderia ter sido feito noutra época que não o séc. XXI, quando o cinema já não cria personagens "boas" e "más", mas tão deliciosamente complexas que o próprio espectador tem dificuldades em posicionar-se e formar uma opinião, ora condenando-a, ora identificando-se com ela, ora absolvendo-a das suas culpas.

Kate Winslet mereceu o Óscar de Melhor Actriz, pois a essência perturbadora do filme reside olhar enigmático - ora confuso, ora alegre, ora indignado - de Hanna Smichz.